28 de maio de 2008


Há uma coisa em que todos os partidos estão de acordo é preciso endurecer o Código da Estrada.

Portugal tem um grave problema no trânsito. As mortes por acidente, das mais elevadas na Europa, geram um terrível risco suportado por todos. Que pode o Estado fazer?Se formos realistas e honestos, a resposta tem de ser "Quase nada!". A política não afecta a condução dos automobilistas. Uma pessoa ao volante de um carro está acima de qualquer lei ou regulamento, controlando a sua circunstância em interacção com os outros condutores.É uma das situações evidentes de poder individual, como o proverbial capitão, "único senhor absoluto do navio abaixo de Deus". Mas esta afirmação é inaceitável para o nosso tempo.A civilização ocidental foi construída sobre a crença implícita no poder da política. A asserção anterior fere as nossas convicções mais profundas, suscita escárnio de colunistas e repúdio de doutrina dores. Tudo tem de ter uma solução, estratégia, regulamentação. Das coisas mais íntimas, como família e higiene, às mais vastas, como cultura ou arte, em todas o Estado estende a sua ânsia estatutária. Somos a primeira época da História que confia mesmo na omnipotência das portarias.

Por isso, num esforço intelectual hoje rotineiro, conseguimos encontrar formas de as leis fingirem interferir até na condução dos automóveis.

Há propostas razoáveis a melhoria da rede viária, o policiamento, a formação e o apertar das condições nas cartas de condução. São medidas que, a prazo e de forma indirecta, acabam por ter efeitos na sangrenta situação rodoviária. Mas, se abandonarmos preconceitos dirigistas, vemos que isso, apesar de útil e benéfico, pouco afecta a verdadeira causa dos desastres.

Só que estas medidas têm um grave inconveniente para os políticos são esforços lentos e continuados, com efeitos seguros mas tardios.

A impaciência dos eleitores e a carreira dos eleitos exige medidas decisivas, políticas ambiciosas, estratégias revolucionárias. Aqui, o Estado deixa de ser benéfico e passa a agressor. As regras do novo Código da Estrada, em breve em vigor, são exemplos desta tolice bem intencionada. Qual a vantagem de obrigar todos os carros a ter um colete retroprojector (art. 88)?! Imaginam-se situações bizarras em que o insólito acessório reduza a sinistralidade. Mas o mesmo se aplicaria a botijas de oxigénio, localizadores de GPS, joelheiras ou desfribiladores cardíacos.Será razoável impor-se o seu uso? Tirar a carta a quem estacionar na berma (art.º 145 g), parar numa passadeira (art.º 145 o) ou encandear outro automobilista com os "máximos" (art.º 146 d) não resolve nenhum problema e cria vários.Levar 300 euros a quem atirar "quaisquer (?!) objectos para o exterior do veículo" (art.º 79) ou 600 euros a quem andar a 70 quilómetros à hora na cidade (art.º 27) é mais excesso de multa que de velocidade.

O Código usa assim o método dos aeroportos contra o terrorismo não apanha os criminosos, mas finge combatê-los aborrecendo inocentes. O legislador não compreende a brutalidade das suas armas. Recomendar o uso de cadeirinhas para crianças é útil e conveniente; impor o seu uso abaixo de 12 anos ou 150 centímetros (art.º 55) nos carros (mas não nos autocarros!?) serve só para caçar multas.

Os produtores dos acessórios esfregam as mãos e os pobres desesperam.

Se faltar a cadeirinha, por alguma razão, é melhor arriscar e ir a pé com a criança pela estrada?

Tudo isto nasce da tolice do Estado, que se recusa a confessar a incapacidade em resolver problemas que o ultrapassam.

Se leis mais pesadas dessem carros mais bem conduzidos, então prisão perpétua por pisar o traço contínuo acabaria com os acidentes.As vítimas são os pobres, para quem o carro é um luxo com as multas e acessórios inúteis.Temos um grave problema no trânsito. Só a sociedade o resolverá, mudando hábitos, criando associações, gerando pressão.

2 comentários:

Manuela Monteiro disse...

A melhor homenagem que poderia prestar ao seu tio.
Tenho a certeza que de onde ele está se enternecerá com a sua preocupação com este tema.
O tempo ajudá-lo-à a interiorizar e a dominar a dor.
Esteja tranquilo...
O mundo é mais do que aquilo que nós vemos ou que nós pensamos...

Anónimo disse...

bem serginho..
és uma pessoa com muita força pois eu nao sei se seria capaz de falar sobre este assunto como tu falas...
parabens...
beijo para ti..